Mato Grosso, Sexta-Feira, 17 de Maio de 2024     
Novo Portal
Pesquisadora de MT faz ciência avançar no tratamento da hanseníase
DIA INTERNACIONAL DA MULHER
Pesquisadora de MT faz ciência avançar no tratamento da hanseníase
08/03/2016 11:37:38
por Luciana Cury | Gcom-MT
Foto por: Moisés Bandeira
Conheça a descoberta inédita que colocou a professora Denise Cortela, da Unemat, à frente das pesquisas sobre hanseníase


Moisés Bandeira/Unemat
A | A

Todo 8 de março, Dia Internacional da Mulher, diversos países aproveitam a data para relembrar e destacar as grandes contribuições realizadas por mulheres, cujos trabalhos contribuíram para mudar a sociedade. No Brasil, Ana Néri (pioneira da enfermagem no Brasil), irmã Dulce, Anita Malfatti (revolucionária da arte e da pintura), Zilda Arns (fundadora da Pastoral da Criança), Cora Coralina (poetisa) e Maria da Penha (líder na defesa dos direitos da mulher) são algumas das mulheres do século passado que sempre são lembradas nesta data.

Na atualidade mundial, Christiane Nusslein-Volhard, bióloga alemã que recebeu em 1995 o Prêmio Nobel por suas pesquisas sobre genética embrionária, Jane Goodall, primatologista britânica conhecida por suas pesquisas sobre chimpanzés e Mathilde Krim, citogeneticista italiana que realizou diversos estudos sobre vírus causadores de câncer, são exemplos de mulheres que já têm seus nomes gravados na ciência mundial pelas contribuições realizadas e no Dia Internacional da Mulher têm seus trabalhos destacados.

Não diferente de outros países, o Brasil tem grandes nomes femininos no campo da pesquisa. Exemplos disso são Suzana Herculano-Houzel, neurocientista carioca que conseguiu contar com precisão o número de neurônios do cérebro humano, e Duília de Mello, astrônoma paulista que cuida de projetos na agência espacial norte-americana (Nasa). E o mais novo nome a surgir no rol de brasileiras com trabalhos de impacto no campo da ciência está o da professora mato-grossense Denise da Costa Boamorte Cortela. Formada em 1988 no curso de odontologia pela Universidade de São Paulo (USP), de Bauru, Denise descobriu em um estudo inédito que pacientes em tratamento contra a hanseníase ou que já tiveram a cura precisam ter, além de acompanhamento médico, o odontológico.

Até janeiro desse ano, a medicina preconizava que o tratamento contra a hanseníase deveria ser feito com o uso de antibióticos e anti-infecciosos, que combatessem as lesões da pele. Mas a pesquisa feita pela professora e coordenadora do curso de Medicina da Universidade Estadual de Mato Grosso (Unemat), apontou que o combate à doença passa também pelos cuidados com a boca. “Em dois anos de pesquisa, ficou evidente que a hanseníase pode piorar o quadro clínico do ex ou portador de hanseníase se ele estiver com problemas dentais, como cáries, infecções ou reabsorção óssea”, explica a odontóloga Denise Cortela.

Melhorar a saúde pública

De família simples e ex-aluna da rede pública de Santa Cruz do Rio Pardo, no interior paulista, onde nasceu, Denise, após se casar veio para Mato Grosso em 1991. Escolheu Cáceres para morar e trabalhar na área de odontologia. Mas antes de vir para o Centro-Oeste, ao concluir a graduação de odontologia, fez dois anos de residência no Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da USP. Essa passagem pela unidade que atende usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) é para ela a grande responsável por despertar o desejo de contribuir para melhorar a saúde pública.

Com o fim do período de residência, se mudou para Cáceres e em 2003 tomou a decisão de dar aulas para alunos do curso de Enfermagem da Unemat. “Foi ao voltar para o mundo acadêmico que senti a necessidade de me aprimorar. Fiz especialização em 2005 e mestrado em saúde coletiva, em 2008, e decide não mais parar por aí. Resolvi fazer uma pesquisa que pudesse ser revertida para a sociedade”, diz.

E esse desejo de melhorar a saúde pública de fato virou realidade. Após a descoberta desencadeada por Denise Cortela, em fevereiro desse ano o Ministério da Saúde divulgou a Portaria 149/2016, orientando os profissionais da saúde que os pacientes com hanseníase devem ser encaminhados para consulta odontológica e orientados quanto à higiene dental. O manual do MS afirma que a boa condição de saúde bucal reduz o risco de reações hansênicas, que se caracterizam pelo aparecimento de inchaço, caroços, manchas vermelhas, febre e dor no corpo ou nas regiões dos nervos afetados.  “Se o paciente tem doenças bucais não tratadas, essas reações podem aparecer após o fim do tratamento ou muito antes dele descobrir ser portador da doença”, acrescenta a médica.

Pesquisa

Para chegar a essa correlação entre hanseníase e saúde bucal, 82 pessoas passaram pela pesquisa que envolveu pacientes de três municípios: Cáceres, Várzea Grande e Cuiabá. Dos 82 pesquisados, 57 fizeram parte da tese de doutorado defendida em junho de 2015, na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), cujo título foi ‘Infecções odontogênicas e episódios reacionais em indivíduos com hanseníase’.

Denise Cortela explica que cada um dos pacientes estudados passou pela coleta de sangue, biópsia da pele e gengiva - naqueles casos mais grave- e radiografia odontológica.  Com a ajuda de pesquisadores do Instituto Lauro Souza Lima, de Bauru, referência internacional em doenças tropicais e hanseníase, foi possível investigar cientificamente a expressão genica dos mediadores inflamatórios.

Entre os pacientes pesquisados, dois deles chamaram a atenção da professora. Um deles foi um garoto de 11 anos, morador de Várzea grande, que desde os 6 anos tinha hanseníase na região do joelho, mas a família achava que se tratava de um micose. A criança já havia passado por postos de saúde, sem receber o devido diagnóstico. Outro caso que a emocionou foi a de um homem de 37 anos, de Cuiabá, que estava em estágio avançado da hanseníase, e que sem saber, abrigava um cisto nos dentes. “Se ele não tivesse passado pela radiografia, bancada pela minha pesquisa e que apontou o cisto, talvez ele estaria até hoje com o cisto na boca ou em situação clínica pior”, aponta Denise.

Contente com a cura da hanseníase e de ter os dentes restaurados gratuitamente, esse paciente, segundo a professora, mantém contato até hoje e fez questão de convidá-la no mês passado para conhecer a casa própria recém-adquirida.  “Todos os pacientes que atendemos não tinham condições de sozinhos, sem ajuda pública, tratar a doença e os dentes. Quero destacar aqui a importante ajuda pela Fapemat, órgão Governo do Estado voltado ao apoio à pesquisas, ao financiar meu estudo, porque foi através desse apoio, que consegui incluir a importância da odontologia no combate a hanseníase”, complementa.

A descoberta feita pela professora de Unemat nasce coincidentemente no Estado onde os casos de hanseníase ainda preocupam. De acordo com o Ministério da Saúde, Mato Grosso é o estado que registra a maior prevalência da hanseníase no Brasil: a média no país é de 1,27 casos por 10 mil habitantes; em Mato Grosso são 10,19 casos para 10 mil habitantes. Por sua vez, o Brasil é um dos países onde a doença ainda produz números considerados preocupantes pela Organização Mundial da Saúde (OMS). 

Pós doutorado

E engana-se quem pensa que Denise Cortela parou os trabalhos de pesquisa, cuja orientação foi da professora e pós-doutora da Unemat, Eliane Guinoti. No final de fevereiro, Denise apresentou um novo projeto ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) solicitando apoio para aprofundar os estudos levantados durante o doutorado. “Os bons resultados que alcancei abriram portas para novos desafios. Nessa nova pesquisa, caso seja financiada pelo CNPq, meu foco será aprofundar os estudos imunomoleculares relacionados as citocinas inflamatórias”.

Orgulhosa por ter feito a diferença no enfrentamento do combate a hanseníase no país e por ter deixado sua contribuição na ciência, Denise da Costa Boamorte Cortela conclui que a felicidade dos pacientes, ao restabelecer a saúde, é o que a move para continuar no campo da pesquisa. “Nada é melhor ao profissional da saúde do que ele notar o paciente contente com a cura e melhora do seu quadro clínico. Isso nos enche de motivação e é o que me move para continuar”, finaliza.

 

Salvar esta página   Imprimir notícia   Enviar notícia por e-mail Visitas: 24692 | Impressões: 141860
Compartilhar no Facebook

Notícias relacionadas

  • Nenhuma notícia relacionada